Com a grande repercussão da Operação Lava Jato e a mídia brasileira dando cada vez mais espaço para casos envolvendo propina, caixa 2 e outros atos ilícitos, não é de se estranhar que Estado e iniciativa privada estejam, mais do que nunca, preocupados em garantir a ética, a transparência e a legitimidade da relação entre órgãos públicos e empresas de prestação de serviços.
Vale ressaltar que essa postura é fundamental para amenizar o rombo nos cofres públicos, que, além de sofrerem com a queda na arrecadação resultante da crise econômica que afeta o país nos últimos anos, são, há décadas, significativamente impactados pela má conduta de gestores públicos e empresários.
O fato, no entanto, é que algumas normas da legislação brasileira deixam lacunas para o combate à corrupção, facilitando práticas nocivas à legalidade dos processos, como licitações direcionadas, formação de cartéis e contratos fraudulentos entre poder público e empresas privadas. Isso faz com que a desconfiança dos empresários brasileiros com relação a contratos firmados com o poder público cresça e o desinteresse das instituições brasileiras afete a prestação de serviços à população.
O objetivo deste artigo é debater alternativas capazes de favorecer o envolvimento lícito e legítimo entre iniciativa privada e poder público e apresentar boas práticas que podem auxiliar as empresas brasileiras nesse processo.
Lei 8.666 e suas brechas para a corrupção
Ao pesquisar literaturas disponíveis publicamente, é comum encontrar cientistas políticos e especialistas em gestão governamental apontando um dos principais responsáveis, do ponto de vista administrativo, por fomentar a corrupção na gestão pública: a Lei 8.666.
Publicada em 1993, a popular Lei de Licitações
foi sancionada em meio ao alvoroço causado pelo impeachment do então presidente Fernando Collor — quando o país enfrentava um cenário de inflação alta e descontrole financeiro —, com o objetivo de moralizar os processos de licitações públicas e mitigar a corrupção no Brasil. Os quase 25 anos de aplicação da lei, no entanto, não nos mostra resultados tão favoráveis como se esperava.
Levantamento divulgado pela ONG Transparência Internacional em janeiro deste ano, que mostra o índice de percepção da corrupção no mundo, aponta que o Brasil encerrou 2016 ocupando a 79ª posição em um ranking composto por 176 nações. O país alcançou 40 pontos em uma escala que varia de 0 (altamente corrupto) a 100 (muito transparente), ficando empatado com Bielorrússia, China e Índia e abaixo da média mundial de 43 pontos.
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Excesso de formalismo e preceitos ultrapassados
Apesar de datar de 1993 e ter sofrido modificações ao longo das duas últimas décadas — há, inclusive, um projeto de atualização da lei tramitando na Câmara Federal há anos —, a legislação contempla, segundo especialistas, preceitos de mais de 60 anos atrás, especialmente no que se refere à gestão dos contratos, o que faz com que as normas sejam ultrapassadas e incoerentes à realidade atual.
A lei foi elaborada com excesso de formalismo e um alto nível de detalhes, o que, em vez de evitar a corrupção como era o objetivo, burocratizou a relação entre Estado e prestadores de serviços e abriu brechas para aqueles que desejavam agir de forma ilícita.
Para início de conversa, não há dúvidas de que critérios muito rígidos favorecem alguns grupos de empresas brasileiras e exclui outras instituições que, por não conseguirem atender a requisitos burocráticos, não são consideradas aptas a participar dos processos, mesmo que sejam tecnicamente qualificadas a executar a obra ou prestar o serviço em questão.
Além disso, especialistas defendem que o poder do setor público de decidir se ocorrerá ou não o pagamento por um serviço prestado, sem que haja rigor no controle e na fiscalização — que é o que acontece com os contratos firmados via Lei 8.666 —, incentiva, de certa forma, a corrupção, já que as empresas que não receberem pelo serviço podem buscar meios ilícitos para serem ressarcidas pelo investimento feito.
Outro ponto que deve ser levado em conta é que quando se trata de obras públicas, a legislação prevê um projeto básico, mas não explica exatamente o que esse documento deve incluir. Com isso, a empresa vencedora da licitação precisa contratar projetistas autônomos para a elaboração do projeto executivo, que podem constatar necessidades de adaptação ao que foi proposto inicialmente. É aí que entram os famigerados aditivos, portas abertas para superfaturamento e desvios de recursos.
Mas, se a reforma da Lei de Licitações, que se arrasta há anos no Legislativo Brasileiro, não avança, qual seria a saída para assegurar a idoneidade da relação entre poder público e iniciativa privada e recuperar o interesse das empresas brasileiras em prestar serviços para o Estado?
Concessões e PPPs: menos burocracia e mais transparência
Antes de mais nada, é válido pontuar que as falhas nos projetos já mencionadas neste artigo, tão comuns em contratações via Lei 8.666, são menos possíveis de acontecer em concessões e PPPs, já que a empresa parceira fica, por um longo prazo, responsável por todas as etapas do processo, desde a elaboração do projeto executivo até a operação e manutenção do empreendimento. Com isso, a empresa pode planejar, antes mesmo de dar início à prestação do serviço, quais serão os investimentos exigidos — e, logo, a rentabilidade do contrato —, o que evita a necessidade de ajustes no projeto.
Também é importante pontuar que uma diretriz da lei que regulamenta as Parcerias Público-Privadas evita outra situação ilícita que já abordamos: os contratos devem prever garantias de execução compatíveis com ônus envolvido na parceria. Portanto, não há a possibilidade de uma companhia não receber pelo serviço prestado e querer cobrar o Estado por meio de mecanismos ilegais, pois, em caso de inadimplência do poder público, a empresa tem o direito de executar as garantias previstas.
A transparência
é outra característica muito relevante quando falamos em concessões e PPPs, já que, devido ao alto volume de recursos envolvido — o mínimo permitido por lei é R$ 20 milhões —, a legislação estabelece a realização de consultas e audiências públicas como etapas imprescindíveis ao processo.
Além disso, o Tribunal de Contas é envolvido no projeto desde as fases preliminares — em âmbito federal, esse envolvimento é obrigatório; já a níveis estadual e municipal, é uma prática recomendada e, geralmente, realizada —, o que favorece o controle do processo e, consequentemente, garante mais transparência a todas as etapas.
Verificação independente de contratos
A legislação que regula os processos de PPP
prevê, além das diretrizes mencionadas, um mecanismo inovador e bastante efetivo para o combate à corrupção: a verificação independente de contratos. A ferramenta consiste, basicamente, na contratação de uma empresa terceira que ficará responsável por avaliar os contratos, assegurando que o teor da parceria cumpra, integralmente, as instruções da lei.
Do ponto de vista do parceiro privado, esse instrumento é fundamental para assegurar que o trabalho realizado seja avaliado de forma isenta, tirando o poder do setor público de decidir se pagará ou não pelo serviço prestado.
Ao mesmo tempo, a verificação independente elimina a possibilidade de o gestor público reduzir a qualidade do serviço a fim de aumentar a rentabilidade do projeto — como comumente acontece com contratos via 8.666 —, já que o trabalho será permanentemente monitorado por uma empresa especializada. Indiscutivelmente, criar ou fortalecer mecanismos de controle é a medida mais eficaz para combater a corrupção na gestão pública.
PMI x MIP
Por fim, vale ressaltar outros dois importantes instrumentos inseridos nos projetos de PPPs, que reforçam a transparência e a efetividade da relação entre poder público e iniciativa privada por meio dessa modalidade de contratação. Os Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI) e as Manifestações de Interesse Privado (MIP) são formas de as empresas serem envolvidas em projetos de infraestrutura desde a sua modelagem, garantindo que o interesse e a expertise da iniciativa privada serão suficientes para atender a uma necessidade do poder público.
Resumidamente, PMI e MIP são procedimentos quase semelhantes, com a diferença de que enquanto o primeiro nasce a partir de uma iniciativa do Estado, que consulta o interesse e as propostas da iniciativa privada para o desenvolvimento de um determinado projeto, o segundo é fruto da proatividade das empresas, que enxergam em alguma necessidade do poder público uma oportunidade de negócio.
Vale ressaltar, no entanto, que para serem válidos, esses procedimentos precisam ser públicos e amplamente divulgados, o que reforça, mais uma vez, a transparência dos processos de Parceria Público-Privada e a capacidade dessa modalidade de contratação em evitar a corrupção e garantir mais segurança jurídica às empresas.
Os mecanismos previstos em lei consistem, na verdade, em uma autorização para que empresas privadas se reúnam com o poder público, a portas abertas, para debater projetos de interesse do mercado.
Boas práticas recomendadas
Diante do que foi exposto, esperamos que as informações apresentadas ampliem seus conhecimentos em relação à ocorrência de atos ilícitos na gestão pública brasileira e ajudem você a entender por que contratações realizadas por meio de concessões ou Parcerias Público-Privadas auxiliam empresas a não serem alvos de corrupção.
Antes de terminar, é importante ressaltar que, além de participarem desses novos processos, instituições privadas podem adotar boas práticas que fortalecem a transparência e a idoneidade da relação com o poder público. Destacamos como principais o envolvimento de órgãos de fiscalização e controle nos projetos e o cumprimento de regras básicas de compliance, difundindo entre todos os colaboradores da instituição a mentalidade de que o lucro não pode vir a qualquer custo e de que não há dinheiro que pague a credibilidade de uma empresa!
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