Por Igor Gouveia
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6 de novembro de 2020
Uma empresa que presta ou pretende prestar serviços para o poder público brasileiro precisa lidar, diariamente, com as diretrizes impostas pela Lei 8.666 , legislação que estabelece, há quase 25 anos, normas para licitações e contratos do Estado. A lei foi sancionada durante o governo do então presidente Fernando Collor, em junho de 1993, com o objetivo de regular as contratações da administração pública e reduzir o índice de corrupção resultante desse processo ― na época, havia diversas denúncias de favorecimento e desvio de recursos públicos por meio dos contratos. Além de não ter cumprido seu propósito principal ― com o bombardeio de denúncias que assistimos hoje, é fácil perceber que a legislação continua facilitando atos ilícitos nas contratações ―, a Lei 8.666 se mostra, muitas vezes, ultrapassada e ineficaz para as demandas da sociedade atual. Como sabemos, o Estado vem perdendo, a cada ano, seu potencial de investimento e não é mais capaz de atender, mesmo que minimamente, as reais necessidades da população. A 8.666, muitas vezes, torna ainda mais grave essa situação, já que o caráter rígido e burocrático da norma inviabiliza a possibilidade de os contratos serem flexibilizados à medida que as necessidades se apresentam. Não há dúvidas de que a defasagem da lei é, em parte, resultante das modificações vividas pela sociedade desde o momento em que ela foi elaborada e sancionada até hoje. No entanto, apesar de parecer uma medida necessária, a simples atitude de revisitar e editar a legislação ― medida já discutida entre políticos, gestores, empresários e especialistas em gestão governamental ― talvez não resolveria o problema, contradizendo o que muitos defendem. Qual seria, então, a alternativa à Lei 8.666, capaz de fazer com que o Estado retome seu potencial de investimento e reduza a burocracia na relação com seus fornecedores? A quais mecanismos os empresários brasileiros precisam se atentar para que investimentos privados em projetos do setor público voltem a ser um bom negócio para todos os envolvidos (Estado, iniciativa privada e população)? O objetivo deste artigo é trazer essas discussões à tona e mostrar como as empresas brasileiras que trabalham ou pretendem trabalhar com o setor público devem se posicionar no mercado para identificar novas oportunidades de negócio e por que elas precisam assumir um papel de protagonismo nessa necessária mudança dos modelos de contratação do poder público. Acompanhe e confira! Por que a lei de licitações não consegue atender todas as demandas do Estado? Antes de debater as mudanças, seria importante ir mais a fundo nas características da Lei 8.666 e entender por que a legislação não permite que o poder público atenda, a um nível satisfatório, às demandas que se apresentam urgentes e necessárias. No entanto, a lista de diretrizes que contribuem para a ineficiência da lei é extensa e não seria viável tratar dela, de forma detalhada, neste artigo. O que podemos dizer é que a lógica do menor preço, a característica do curto prazo dos contratos e a falta de compromisso da legislação com a qualidade dos serviços são fatores mais do que suficientes para que Estado e iniciativa privada precisem repensar as formas de contratação, buscando alternativas mais modernas, menos onerosas e mais atraentes para todas as partes envolvidas. Fato é, no entanto, que a crise econômica que afeta o país há alguns anos impede gestores públicos de enxergarem fatores que vão além da queda na arrecadação, do aumento com gasto de pessoal e da necessidade de redução de custeio da máquina pública, situações comuns a todos os órgãos públicos brasileiros atualmente e graves o suficiente para ocupar integralmente quem está no comando da administração pública no país. Sob essa perspectiva, é difícil fazer com que gestores públicos invistam tempo e esforços na busca por essas alternativas tão necessárias e é exatamente nesse contexto que a iniciativa privada precisa entrar em cena. Afinal, quais são as alternativas para modernizar a contratação do Estado? Diante do exposto até aqui, podemos afirmar que a lei 8.666 limita, de certa forma, novos investimentos em serviços públicos e, por isso, alternativas precisam ser encontradas para que o Brasil volte a crescer e o Estado possa promover melhorias para a população. Mas, se a arrecadação do Estado mal é suficiente para arcar com despesas de custeio da máquina pública e a crise econômica enfraqueceu as possibilidades de crédito oferecidas por órgãos financiadores de projetos públicos, como o BNDES, qual seria então a saída para esse imbróglio? A resposta pode estar no conceito de alianças público-privadas, prática que possibilita a inserção de organizações privadas na gestão de serviços públicos. Há alguns modelos já consolidados no Brasil e, visando esclarecer e destacar a importância dessas alternativas, vamos detalhar três dos mais importantes deles. Continue acompanhando. Organizações Sociais Previstas na Lei 9.637, de maio de 1998 , as organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, qualificadas pelo Estado, por meio de uma parceria, a prestar serviços públicos nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Cultura e Saúde. O contrato de gestão firmado entre a administração pública e uma instituição privada com esse fim permite que a entidade receba alguns benefícios do Estado para garantir a realização de suas atividades, como dotações orçamentárias e isenções fiscais. Um bom exemplo desse tipo de aliança é o Instituto Cultural Filarmônica, entidade responsável pela estruturação, manutenção e gestão da premiada Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. A instituição firmou, em 2008, contrato de parceria com o Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura, se caracterizando, desde então, como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Privado (Oscip), status que lhe permite receber recursos oriundos da administração pública e, ao mesmo tempo, da iniciativa privada. O modelo de parceria permite que o serviço prestado pelo Instituto escape de certas limitações burocráticas, inerentes a órgãos puramente governamentais. Uma das possibilidades vantajosas, por exemplo, é a contratação e manutenção de músicos no corpo da orquestra, segundo critérios de desempenho e qualidade ― o que, como sabemos, não é tão simples com servidores públicos, de fato. Se a Orquestra fosse uma instituição pública, seria necessário ter músicos efetivados como funcionários, o que, segundo especialistas da área cultural, não é uma solução adequada. PPPs Outra opção aos modelos tradicionais de contratação do poder público brasileiro são as Parcerias Público-Privadas, regulamentadas pela Lei 11.079 de 2004 , que, especialmente nos últimos cinco anos, têm mostrado seu potencial para aprimorar a prestação de serviços públicos no Brasil. Estabelecida por meio de um contrato firmado entre uma empresa privada e um órgão público, a PPP visa a execução de obras ou prestação de serviços variados ― é crescente, inclusive, o número de contratos firmados em áreas pouco comuns de investimentos do setor público ― e consiste em um modelo de contratação que se mostra atrativo para todos os envolvidos. Isso porque ao mesmo tempo que ele permite que o Estado compartilhe com o parceiro privado os riscos e os custos do investimento e consiga oferecer à sociedade um serviço muito mais qualificado, ele proporciona à empresa parceira um contrato robusto e de longo prazo ― a lei prevê contratos superiores a R$ 20 milhões e com duração que varia entre cinco e 35 anos ―, que lhe garante alta rentabilidade e segurança jurídica. É válido lembrar que participar de processos tradicionais de licitação representa custos para as empresas, que precisam investir tempo e dinheiro para estarem aptas a vencer a concorrência. O que acontece é que por conta de diretrizes da Lei 8.666 ― mencionadas neste artigo ―, nem sempre o investimento se mostra atrativo, já que o retorno que a instituição privada receberá é algo difícil de ser previsto. Em caso de obras públicas, por exemplo, uma empresa é contratada para elaborar o projeto executivo e outra para realizar a obra, o que pode resultar em divergência de informações e fazer com que a executora precise gastar muito mais do que estava previsto inicialmente. Essa não é uma situação incomum quando se fala da Lei 8.666 e representa mais um dos gargalos responsáveis por tornar a legislação obsoleta e, muitas vezes, desvantajosa para a iniciativa privada. A PPP impossibilita a ocorrência dessa e outras divergências, pois a empresa vencedora do contrato fica responsável pela execução de todas as etapas do processo, desde a elaboração do projeto até a operação e a manutenção do serviço em questão. E essa é só uma das inúmeras vantagens oferecidas por esse modelo de contratação . Além disso, a lei das parcerias público-privadas permite flexibilidade na maneira como os acordos são elaborados, deixando de lado a rigidez e a burocracia das licitações tradicionais. No caso das PPPs, são os contratos firmados entre os parceiros ― e não uma série de regras definidas há mais de duas décadas ― que vão estabelecer as responsabilidades de cada uma das partes. Exemplos São inúmeras as Parcerias Público-Privadas bem-sucedidas no Brasil nas mais diversas áreas de atuação do poder público. O setor prisional, por exemplo, foi um dos contemplados pelas diversas PPPs realizadas pelo Governo de Minas ― referência nacional nessa modalidade de contratação ―, por meio da implantação do Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, em 2013. O projeto teve início em 2009 com a assinatura do contrato entre o Estado e a concessionária vencedora da licitação, a partir de uma iniciativa até então inédita na América Latina, que resultou no primeiro complexo penitenciário do Brasil construído e administrado por empresas particulares. A PPP da penitenciária de Ribeirão das Neves é do tipo administrativa, no qual o ressarcimento do investimento realizado pelo parceiro privado se dá exclusivamente por meio de parcelas fixas pagas pelo órgão público responsável, o que, nesse caso, deve acontecer até 2027, ano previsto para o contrato se encerrar. Até lá, a empresa vencedora do contrato fica responsável pela operação e manutenção do complexo, tendo, inclusive, o dever de cumprir dezenas de indicadores de qualidades estabelecidos no momento de celebração do acordo. Outro bom exemplo de Parceria Público-Privada no Brasil está em uma área que até pouco tempo não seria sequer cogitada para receber um investimento por meio dessa modalidade de contratação: a iluminação pública. A partir de uma nova interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a Constituição e devido às modificações propostas pela Resolução 414/2010 da ANEEL, a competência relativa à prestação do serviço de iluminação pública é, agora, do ente municipal. Essa mudança, desde então, tem causado grandes impactos no setor e as prefeituras se veem obrigadas a buscar alternativas para dar conta de atender às demandas das cidades. Minas Gerais merece destaque, mais uma vez, com a Parceria Público-Privada elaborada pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da qual todas as lâmpadas da cidade estão sendo substituídas por lâmpadas de LED ― mais eficientes e com menor gasto de energia ― e terão sua manutenção sob a responsabilidade do parceira privado, tirando essa atividade do escopo de atuação da administração pública municipal. O contrato celebrado neste ano entre a PBH e a empresa parceira terá duração de 20 anos e prevê investimentos de quase R$ 500 milhões. Concessões Com um formato bastante semelhante ao das PPPs, as concessões públicas, regulamentadas pela Lei 8.987 de 1995 , se apresentam como mais uma alternativa para potencializar a capacidade de investimento da administração pública e são bastante comuns no Brasil na área de gestão, operação e manutenção de estradas e aeroportos. Nesse modelo de contratação, a remuneração do ente privado contratado é obtida junto aos usuários do serviço prestado, o que, no caso das estradas, se dá por meio de pagamento de pedágio, e dos aeroportos, a partir da exploração de serviços no local, como estacionamentos e restaurantes. Um bom exemplo de concessão é um projeto recém-lançado pelo Governo do Mato Grosso, que prevê a melhoria da malha rodoviária do estado, visando diminuir o custo logístico de transportes e, em consequência, aumentar a eficiência do escoamento da vasta produção agrícola local. O projeto Pró-Estradas Concessões contempla, em sua primeira fase, investimentos na ordem de R$ 1,5 bilhão, geração de mais de 3,5 mil empregos e cerca de 525 quilômetros de rodovia concedidos à iniciativa privada, o que vai permitir a realização de intervenções necessárias, porém inviáveis apenas com recursos do Estado. A gestão, operação e manutenção do Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Kubitschek, em Brasília, é mais uma experiência de concessão no Brasil. Concedido à iniciativa privada em 2012, por meio de um contrato de R$ 4,5 bilhões, o local já passou por diversas intervenções, que garantiram a otimização da experiência do usuário. O Aeroporto JK integra o projeto de concessão de aeroportos do Governo Federal, que busca viabilizar e agilizar a realização de investimentos necessários para a adequação da infraestrutura aeroportuária, promovendo melhorias no atendimento e nos níveis de qualidade dos serviços prestados aos usuários do transporte aéreo no Brasil. Como empresas de infraestrutura devem agir diante dessa mudança? Agora que já debatemos o caráter obsoleto da Lei 8.666, os benefícios das novas formas de contratação do Estado e as possibilidades oferecidas por organizações sociais, parcerias público-privadas e concessões, é hora de refletir sobre o papel da iniciativa privada nesse contexto. Limitar-se às oportunidades oferecidas atualmente e às possibilidades previstas na Lei 8.666 empobrece a relação entre Estado e iniciativa privada e faz com que o país não atinja todo seu potencial de desenvolvimento. É por isso que empresários brasileiros precisam buscar mecanismos para oferecer seus serviços visando preencher as lacunas de investimento deixadas pela incapacidade financeira da administração pública e, em contrapartida, tornar a parceria com o Estado mais vantajosa ― com um contrato de alta rentabilidade e longo prazo , por exemplo. Pela descontinuidade da gestão e pelo imediatismo inerente ao setor público ― com apenas quatro anos de mandato, gestores públicos precisam buscar ferramentas para fazer as coisas acontecerem rapidamente ―, muitos serviços que poderiam ser realizados e teriam potencial para melhorar a qualidade de vida da população acabam não sendo discutidos, simplesmente porque não se tem tempo para pensar a longo prazo. O papel da iniciativa privada nesse contexto, portanto, é olhar para áreas que não estão sendo vistas pela administração e demonstrar a viabilidade e os benefícios de determinados investimentos. Como as empresas podem adotar essa postura? Confira! O que fazer para identificar oportunidades de negócio e diversificar contratos na administração pública? Se pudéssemos dar uma dica para os empresários brasileiros que pretendem investir em projetos do setor público, especialmente da área de infraestrutura ― o mais importante nicho de negócio relacionado a serviços públicos no Brasil ―, seria: pense fora da caixa. A prestação de serviços públicos precisa ser otimizada ― até porque a demanda por inovação do mundo globalizado transformou o jeito de as pessoas usufruírem dos serviços ― e não há mais espaço para aumento de impostos. Este é, portanto, o momento ideal para um posicionamento firme da iniciativa privada. Em partes por comodismo, em partes por desconhecimento das possibilidades oferecidas pelo mercado, o setor público não busca diversificar os investimentos e, com isso, acaba plantando uma ótima oportunidade para empresários brasileiros. Se as empresas não se posicionarem observando os benefícios que podem ser oferecidos por meio de um contrato de longo prazo e até mesmo oferecendo projetos para a administração pública, por meio de uma Manifestação de Interesse Privado , o Estado não vai se movimentar e o desenvolvimento do país continuará estagnado como temos assistido há anos. A sugestão, então, é que a iniciativa privada fique atenta às possibilidades de investimentos e inove na hora de propor alternativas para a otimização da prestação de serviços públicos. Um simples poste é um ótimo exemplo de potencial de inovação e é sobre ele que vamos falar agora. Poste de luz: troca de lâmpada x oportunidade de negócio Para entender exatamente o potencial de inovação de um poste de luz, vamos discutir como a administração pública enxerga o serviço de manutenção da iluminação. Para as prefeituras, o trabalho é simples: se há um poste na rua com uma lâmpada queimada, basta que a empresa vencedora da licitação tradicional vá até o local e substitua a lâmpada. Isso gera um círculo vicioso e pouco efetivo, que não traz nenhuma possibilidade de melhoria da qualidade de vida da população ― lembrando, aqui, que manter a cidade iluminada é obrigação básica do setor público. Em contrapartida, a iniciativa privada pode enxergar esse mesmo poste como um ativo urbano que representa uma grande oportunidade de negócio por meio da oferta de serviços inovadores sobre os quais a administração pública, com todo seu imediatismo e caráter descontinuado, jamais seria capaz de pensar. Dá para acreditar que um poste de luz, além de um instrumento para a iluminação, pode ser uma ferramenta para oferta de rede wireless, sinal de trânsito digital, captação de energia solar, detecção de água (o que poderia contribuir consideravelmente para a grave situação das enchentes no Brasil), sensor de imagens, contador de pessoas e carregador de carros elétricos? Pois saiba que essa já é uma realidade em alguns países e basta uma postura inovadora de empresários brasileiros, aliada ao interesse do setor público, para que práticas como essa cheguem ao nosso país. São por exemplos como esse que a iniciativa privada precisa pensar fora da caixa, enxergando a prestação de serviços públicos como uma grande oportunidade de construção de uma cidade inteligente e, consequentemente, de melhoria de vida da população. Com seu formato obsoleto, a Lei 8.666 jamais viabilizaria uma licitação voltada para a expansão da rede wireless dos postes de uma cidade, e é por isso que novas formas de contratação do Estado precisam ser repensadas, apresentadas e colocadas em prática pela iniciativa privada. Uma das propostas da Houer Concessões é auxiliar gestores da iniciativa privada, especialmente responsáveis por empresas de infraestrutura, na busca por essas alternativas e ajudá-los a avaliar a viabilidade de inovação em contratos da administração pública. Por isso, se você é um exemplo de empresário que pensa ou pretende pensar fora da caixa, assine a nossa newsletter e acompanhe publicações periódicas sobre as novas possibilidades de contratação de projetos do setor público.